Por Cinthia Ferreira G. Lazzarini*
O processo de infans – “aquele que não fala” – a falante, perpassa por caminhos diferentes para cada sujeito, considerando suas marcas singulares e sua história.
A infância é um estágio no qual a linguagem está presente mesmo antes que a fala aconteça. O bebê, antes de nascer, já existe no discurso do outro; antes de existir no real, ele já existe simbolicamente. Por este viés, compreende-se que somos capturados pela linguagem, sendo esta fundamental na constituição e estruturação do sujeito e na sua relação com o mundo. A partir da entrada no mundo da linguagem (do simbólico) que a criança nasce enquanto sujeito, o que lhe permite posicionar-se dentro de um meio social.
As primeiras ações e manifestações do bebê são interpretadas pelo outro, que realiza os cuidados, como por exemplo, o choro quando significa fome, dor ou desconforto. As expressões faciais, as ações motoras, sempre há um “algo a dizer” do bebê que é escutado, interpretado e nomeado pelo outro. Neste sentido, a interação é o ponto de origem, adulto e criança são parceiros, e as relações familiares têm papel fundamental ao longo do processo de aquisição da linguagem.
A comunicação, dessa forma, coloca-se na esfera de relações humanas como o meio pelo qual manifestamos nossos desejos e necessidades. A criança que está mergulhada na língua vai aos poucos manifestando seus desejos, comunicando suas intenções e, assim, se relacionando com o mundo.
Podemos nos comunicar de diferentes formas além da oralidade (fala): olhar, escrita, gestos, expressões faciais, corporais, língua de sinais (LIBRAS). As crianças que apresentam relativo atraso no processo de aquisição de fala, sua comunicação pode acontecer através de gestos indicativos, gestos representativos, expressões faciais, corporais, contato visual. Neste sentido, há uma comunicação não verbal, ou seja, não oralizada presente.
Ao dirigir o olhar para a linguagem das crianças que se encontram dentro do transtorno do espectro autista (TEA), pode-se encontrar: dificuldades na comunicação verbal e/ ou não verbal, referir-se a si próprio na terceira pessoa do singular, invenção de palavras (neologismos), falar frequentemente como um personagem de televisão, falar pouco, ou fala que não tem qualidade social e reciprocidade, fala “aparentemente” sem demanda, sem manifestação de desejos ou necessidades (intenção comunicativa), fala ininteligível. Por vezes pode-se falar de forma incessante, mas com tom de voz constante, monótono ou “cantado”. É possível que haja dificuldade em interpretar expressões faciais (percepção de emoções) e verbais, não compreensão de aspectos simbólicos ou figuras de linguagem.
Outra característica comum em crianças que se encontram dentro do espectro autista é a ecolalia, ou seja, repetição do que a própria criança acabou de dizer ou pelo que seu interlocutor falou há pouco tempo, ocorrendo de maneira sistemática.
Nestes casos, em primeiro lugar, buscar atribuir significado às falas aparentemente “sem demanda” ou manifestação de desejos ou necessidades, pois, muitas vezes, esta forma de falar incessante pode marcar um lugar de existência e de atenção que a criança não consegue fazer de outra forma. Procurar entender as manifestações da criança ajuda a lidar com ela, saber seus gostos e rotina (personagens e desenhos de sua preferência, por exemplo).
Procurar entender o que a criança diz. Dizer a ela que a ajude a compreendê-la é muito importante para você. Expressar-se de maneira mais objetiva favorece a compreensão da criança. Utilizar brincadeiras mais concretas pode promover interação e formar vínculos afetivos.
Pode-se, ainda, utilizar recursos visuais como estratégia para facilitar a comunicação, estabelecer rotina e contextualizar a situação com diferentes recursos para que ela possa compreender, pode contribuir para estimular a autonomia da criança. Estas intervenções são construídas de maneira individual, através da interação, de acordo com os interesses e possibilidades de cada criança.
Considerando que a comunicação acontece na relação com o outro, a escuta, interpretação e resposta deste outro produz efeitos positivos no desenvolvimento da linguagem. Como ocorre com qualquer criança em desenvolvimento, exige tempo e dedicação na relação para que a linguagem se torne efetiva. Por este viés, é possível pensar em algumas ações que favoreçam o diálogo com a criança e, desta forma, envolvê-la na relação, ocupando um “lugar” que, para ela, seja difícil “supor”, “imaginar”, ou mesmo, estar com o outro.
* Cinthia Ferreira G. Lazzarini é fonoaudióloga da Unidade Clínica da Ame
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