Os desafios das relações parentais e familiares durante a pandemia

Os desafios das relações parentais e familiares durante a pandemia

Por Equipe do Centro de Desenvolvimento Humano da AME*

Muitas mudanças impactaram as relações parentais e familiares ao longo da pandemia e, nossa percepção, a partir do nosso trabalho clínico, trouxe-nos uma série de reflexões. Com a doença e o confinamento vieram novos desafios e se agravaram problemáticas que já permeavam a convivência familiar e doméstica antes deste período.

O cotidiano que estava automatizado pela correria do dia a dia, pode ser percebido com mais calma e atenção, aguçando a percepção de como as obrigações e as relações acontecem na vida privada. Se antes a casa era o espaço de convívio familiar, intimidade e relaxamento, o novo contexto fez com que a escola, o trabalho, as terapias, a atividade física, o lazer e demais compromissos adentrassem este ambiente, transformando-o, bem como modicando as vivências e rotinas previamente estabelecidas. 

Rotinas tiveram que ser repensadas: foi necessário administrar ao mesmo tempo trabalho, escola, situações domésticas, e lidar com a intensificação da convivência entre os membros da família. 

No início da pandemia observou-se nas famílias aumento do stress e da insegurança, justificados pelo ineditismo da situação, pelo medo decorrente de um possível adoecimento e pelas dificuldades de lidar com o que se apresentava. Foi necessário lançar mão de recursos adaptativos imediatos para que a vida seguisse adiante de alguma forma. Neste sentido, as famílias que tinham maior flexibilidade para absorver e lidar com os imprevistos adaptaram-se melhor às mudanças.

Houve também, no início do confinamento, uma expectativa de que o tempo de pandemia fosse somente de uma quarentena, que passaria logo. Com o prolongamento desta condição o medo inicial passou a dividir espaço com as frustrações e com o cansaço inerentes às restrições e ao confinamento. 

Em nossa visão clínica, constatamos também que muitas famílias tiveram ganhos importantes com o aumento da convivência doméstica. Se antes da pandemia, muitos pais – por estarem muitas horas fora de casa – não tinham tempo para atividades em casa e, delegavam para os avós, para a escola, para terceiros, o maior tempo da educação diária das crianças, com o confinamento passaram a conviver mais com elas e a observá-las. Com isso, puderam constatar problemáticas de seus filhos, antes despercebidas, e se implicar mais em suas resoluções. Houve um aumento expressivo na participação dos pais nos atendimentos terapêuticos dos filhos. Outro ganho que nos pareceu evidente foi o aumento do convívio com os filhos, do tempo disponível para os cuidados com a vida doméstica e da qualidade de vida, todos decorrente da diminuição do stress no deslocamento para o trabalho. 

Em relação às mulheres que trabalham fora de casa, observou-se aumento da sobrecarga de tarefas devido a sobreposição de papéis (mãe, esposa, dona de casa, profissional, etc.). Antes, cada função seguia um cronograma definido, com os papéis delimitados, mas com o confinamento e com o trabalho em home office, os horários se mesclaram sem limites definidos e geraram sobreposição de funções.  

Já no universo masculino, enquanto alguns pais participaram mais da convivência familiar, outros relataram sentirem-se excluídos das tarefas e das decisões do próprio grupo familiar. Talvez estes já ocupassem uma função menor no cotidiano doméstico e o contexto pandêmico e o confinamento tenham apenas evidenciado esse fato. 

Há que se levar em conta também que diversos contextos familiares geram problemáticas diversificadas. Casais com ou sem filhos, idade das crianças, presença ou não de idosos na família, classe social e poder econômico, luto devido perda de familiares, risco de perda de emprego, bem como a dinâmica familiar prévia, impactaram na forma como cada família lidou e ainda está lidando com a pandemia. 

Constatamos, ao longo desse momento atípico, que o confinamento e a hiperconvivência geraram para algumas famílias uma ampliação das problemáticas relacionais que estavam pouco explícitas ou adiadas, fazendo com que precisassem ser reconhecidas e trabalhadas de alguma forma. Se houve algo de positivo nesta experiência de confinamento, foi a possibilidade de iluminar aspectos que não recebiam atenção pela falta de tempo e convivência familiar.  

Por Equipe do Centro de Desenvolvimento Humano da AME*

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