Por Equipe do Centro de Desenvolvimento Humano, Unidade Clínica da AME
O mundo invade a casa, o quarto, a sala, através da virtualidade. Impõem-se a confusão entre espaço privado (casa, intimidade) e espaço público (trabalho, escola). Alguns limites se dissolvem, como o horário de trabalho que se estende, os espaços ganham novos usos, as roupas de casa passam a ser roupas de trabalho…
Também vivemos a redução da convivência, que se restringiram ao núcleo familiar, às pessoas com quem moramos e convivemos mais intimamente. Em decorrência disso, as crianças e os jovens viram reduzir seus contatos e referências, perdendo a diversidade de encontros que estimulavam seu desenvolvimento para além de casa.
Com a diminuição drástica das opções de lazer observou-se aumento no uso das telas (televisão, smartphones, tablets e outros dispositivos conectados à internet). Os games e as redes sociais ganharam maior importância e espaço nas famílias durante o confinamento. Com o objetivo de manter as crianças e jovens conectados a outras pessoas, de compensar a falta de outras atividades de lazer – e mantê-los “ocupados” e “distraídos” em casa – o uso desses dispositivos se justificou, evidenciando algo que já acontecia: a dificuldade de colocar limites no uso dos eletrônicos.
Como destaque positivo, temos a maior proximidade dos pais e responsáveis com as crianças e adolescentes, o que permitiu um olhar mais atento para questões individuais. Filhos puderam conhecer melhor os pais, e estes puderam olhar mais para os filhos e suas atividades. A maior proximidade também permitiu a alguns que comunicassem suas questões e angústias, e assim pudessem se refugiar neste contato mais seguro. O medo de contaminação, da perda de pessoas queridas também desencadeou alguma regressão e medo excessivo de sair de casa.
Num primeiro momento, os sintomas aumentaram. Houveram “pedidos de socorro” para questões pré-existentes, que estavam encobertas. E as solicitações de ajuda tinham caráter de urgência e imediatismo. Muitos perceberam o desenvolvimento de um quadro depressivo ou ansioso nos filhos adolescentes (e pré-adolescentes) durante a pandemia. O afastamento dos amigos, a sensação de que a vida foi “suspensa”, a mudança da rotina, a ausência de celebrações e rituais de passagem (formaturas, festas e viagens) trouxe perda de sentido e apatia, o que pode ter provocado, ou intensificado, desânimo e depressão.
Por outro lado, os jovens que se sentiam oprimidos com excesso de socialização (ou tem perfil mais introspectivo) lidaram bem com a suspensão das atividades sociais nesta fase da vida. Com a diminuição das exigências externas, puderam experimentar um aumento no bem-estar vinculado ao período de isolamento social.
Paralelamente, muitos relataram que a proximidade e o aumento da presença dos pais geraram maior monitoramento e questionamento em relação à rotina, estudos, conversas pelo celular, tempo que se passa na internet, etc. Muitos se trancaram no quarto para “não serem vistos” e terem maior privacidade. Se queixam de terem menos liberdade e autonomia, e de se sentirem “invadidos” pelos familiares em casa, devido à perda de privacidade.
Na escola, foi possível perceber que as situações acadêmicas se amplificaram, com alguns alunos não se adaptando ao novo formato remoto, enquanto outros conseguiram ver uma “vantagem”, sentindo-se mais “livres” para estudar menos, devido menor exigência. Ainda tivemos alguns muito preocupados com os vestibulares, com a qualidade do que aprenderam no período em que estiveram em casa. Neste retorno às aulas presenciais, por exemplo, observamos a insegurança em retomar as atividades escolares, revelado através do aumento da ansiedade com as avaliações e provas
É notório que a pandemia amplificou o risco para adoecimentos, físicos e mentais, que se somaram aos desequilíbrios de saúde mental pré-existentes. Nos atendimentos clínicos a ansiedade se manifestou de forma mais intensa e frequente que no período anterior à pandemia. O luto e o risco de morte inerente ao adoecimento suscitaram reflexões sobre a impermanência da vida, sobre a forma como nos relacionamos com os outros, com a casa, a natureza, sobre a passagem do tempo, o estilo de vida, a rotina, as escolhas que fazemos. O medo do futuro incerto apareceu de forma intensa e inevitável, mas também trouxe a ampliação do olhar e a possibilidade de ressignificar relações e sentidos, de modo criativo.
Neste momento muitos jovens estão dispostos a retomar o convívio e os planos de vida futuros, e seguem esperançosos de que, com a ampliação da cobertura vacinal, poderão retomar atividades de vida que tinham sido suspensas. De modo geral, aqueles que forem capazes de se adaptar criativamente ao “novo normal”, passarão melhores pelo período.
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